domingo, 18 de janeiro de 2015

Sobre umas pequenas grandezas.

Sentou-se na calçada atrás da casa da Vó, calada e chorosa.Uma menina pequena e birrenta, antes cheia de vida, agora muda e com os olhos vermelhos de tanta tolice. Não queria conversa. Não queria doce da tia da venda. Não queria bolo quente que esfriava na mesa. O que queria ela, então? 
Chega o Vô do trabalho, beija com carinho a Vó, deixa as compras em cima da mesa de madeira e corre os olhos pela casa, em busca da pequena. Acha só os olhos da Vó, apontando para a porta. O velho suspira e sorri, como quem diz ir resolver o caso. Ela sorri com doçura de volta, corta um pedaço do bolo já quase frio, como quem diz que ele há de precisar disso. 
Ela é igual a mãe. E a Vó. Lembra o velho cheio de riso enquanto caminha pra porta carregando sua cadeira de balanço preferida, e em uma das mãos, um frio pedaço de bolo.
Se põe ao lado da menina, que olha calada para os pés, enquanto uma lágrima ou outra se estilhaça nos paralelepípedos da rua tão velha quando seu Vô. 
"Deixei ele ir, Vovô." Diz a menina, envergonhada e triste. 
"Tudo bem, filha."
"Ele não cantava mais, Vô. Eu não queria deixar ele ir. Mas ele não cantava mais."
"Tudo bem, filha." Repetiu com carinho, passando as mãos nos cabelos da pequena. 
"Eu abri a porta. Achei que ele fosse ficar feliz. Mas ele sumiu. Ele não voltou, Vô. Eu fiquei aqui, esperando ele voltar, e ele não voltou. Eu só queria ver ele feliz. Mas ele sumiu. Ele não gostava de mim, Vovô?"
O senhor olhou o céu bonito e azul, deu uma espiada para dentro da casa velha, a ponto de ver uma alegre senhora passando o café. Sorriu. 
"A gente não sabe, filha. Se eu fosse dizer, dizia que ele gosta. Mas não tem muita importância isso não."
"E então o que importa, Vô?"
"Importa se você gostava dele. Porque agora ele está feliz. Eu tô orgulhoso da minha pequena ter aberto a porta. Você deixou ele ser feliz. Isso chama amor, filha."
"Amor, vovô? Não quero amar, vovô. Amor deixa a gente triste." 
"Só se a gente não souber amar, mocinha. Ele não cantava. E estava triste. Doeu em você a tristeza dele, e o amor te fez abrir a porta. E toda vez que você ouvir um canto, vai ser seu amor cantando."
A menina levantou a cabeça. Olhou o céu clarinho e no fundo do coração ouviu um cantinho suave. Todos os cantos seriam pra ela agora. Seriam dela, mesmo que ela não visse. Sorriu. 
O cheiro de café invadiu a rua. 
"Vô, vamos cantar pra vovó? Ela fez bolo." Riu perspicaz a pequena enquanto corria cozinha adentro."
" Eu canto todos os dias, meu passarinho. Todos os dias." Disse o velho a si mesmo, enquanto trazia a cadeira.

Na mangueira ao lado, um alegre passarinho, cantava.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixaram anexado aqui: