segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Das coisas que ele não sabe

E antes que ele pudesse saber das minhas pequenas coisas, ele saiu da minha vida. Não deu tempo dele me ver abraçar o travesseiro na hora de dormir, ou saber que o que eu mais gosto em dormir junto é quando os meus pés sempre gelados são aquecidos por outro. Ele nem ficou tempo o suficiente pra me ver desfilar com meu pijama mais surrado aos fins de semana, vestida com a preguiça infindável que eu alimento nos dias de domingo. Ele nunca vai poder reparar que eu asso o pão com a manteiga virada pra baixo, porque na minha cabeça ela fica mais torrada. Ou que antes de arrumar a casa, eu passo horas escolhendo um CD de Forró, porque fica mais fácil dançar com o pano de chão. 
Talvez tenha sido bom, porque ele nunca vai reparar em como as minhas mãos tremem quando meu pais começam a brigar. Ou como eu devoro a comida como se vivesse com fome. Ele nunca vai ouvir minha mãe brincar dizendo que eu não gosto de banho. Nunca vai receber uma ligação no meio da noite, porque os gatos andam no telhado da minha casa e me deixam apavorada. Ou me ver angustiada porque passa da meia noite e meu irmão não chega em casa. Porque ele sequer ficou tempo suficiente pra ver como eu amo meus irmãos.
Ele nunca vai me ver xingar o mais novo e mesmo assim, viver preocupada se ele comeu ou se tá bem. Sequer deu tempo dele me notar, desse tamanho, ficar toda feliz quando o meu pai chega em casa com meu iogurte preferido, como uma criança. E eu nunca vou precisar mostrar meu lado egoísta, porque ele nunca vai pedir um pedaço do meu ultimo pedaço de bolo. Por outro lado, ele nunca vai notar que mesmo não querendo dividir, eu sempre dividirei.
Da minha família, ele nunca vai escutar como eu fui a criança mais péssima de todas, porque ele não ficou tempo suficiente pra ouvir minhas tias contarem minhas artimanhas, ou ouvir minha vó cheia de orgulho falando como era o dengo do meu avó. Ele perdeu me ver emocionada ouvindo ela contar de como meu avó me trazia cachos de banana e por isso me chamava de "Branis".
Ele saiu antes de me ver mudar a minha de cama de lado toda semana, por gostar de mudanças no quarto. Ele nunca vai se atrasar ao sair comigo, me esperando pentear o cabelo de um jeito diferente e nem se irritar por no fim, eu sair com ele igual.
Ele nunca vai perceber que eu escolho shampoo pelo perfume, ou que gosto das pastas de dente que ardem na boca. Ele nunca vai me ouvir dizer que tenho os sintomas de doenças imaginarias, só porque eu vi na TV, ou rir me ouvindo dizer que tenho todos os sintomas de câncer, só porque eu sou hipocondríaca. Ele nunca vai saber que estomazil sabor abacaxi é meu preferido, e eu que tomo ele pra tudo, como se fosse agua, mas odeio boldo.
Não deu tempo. Não deu tempo dele conhecer a filha preocupada, a irmão chata, a neta amada, a neurada da limpeza, a mimada pelos pais, a teimosia em pessoa. Porque ele saiu vendo só a menina toda errada da universidade. 
Ele saiu da minha vida antes de ver todos os detalhes estúpidos dos quais eu sou feita. Antes de ouvir os medos que me tiram o sono, os coisas bobas pelas quais eu rio. Ele pensa que me conheceu o suficiente pra saber que não devíamos estar juntos, sem ficar tempo suficiente pra descobrir as coisas que ele possivelmente odiaria, e tantas outras pelas quais ele relevaria essas. 
E o que importa agora, se ele não ficou tempo o suficiente pra isso importasse alguma coisa?

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